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terça-feira, 26 de maio de 2009

Matérias // A Abordagem Capenga Sobre as Novas Ciências

O universo científico, assentado em sua indispensável capacidade de refinamento e evolução lingüística, tem suplantado idéias antigas como charlatanismo ou misticismo por valores descritivos de ponta como pseudociência. Este moderno termo, já tremendamente surrado, parece equipar as autoridades do conhecimento humano para discernir sobre o que deve ou não ser lançado ao fogo mortal da nulidade. Em um mundo de informações esmagadoras e nebulosas, entretanto, o abalizamento destes valores parece misturar-se nos vestígios de uma pronunciada inquisição científica.

// por Ciro MacCord

Se há 500 anos as vultosas imagens do Cristianismo e as exacerbadas orações obnubilavam a liberdade crítica individual, transbordando das igrejas a todo gás, certamente, hoje, é dos laboratórios da ciência que a divindade contemporânea emerge. Tal divindade – despojada de cruzes, santos ou pecados – transborda pelas escotilhas da moderna noção de que o status intelectual humano ideal é aquele baseado em fatos incontestáveis. A linguagem pomposa, atamancada no latim, persiste de alguma forma, e o Sagrado Coração de Jesus parece ter trocado de nome: Método Científico.

Não que a ciência, por si só, esteja, através de novas roupagens, exorcizando o desconhecido na excêntrica forma de demônios ou cobrando fé das ovelhas desgarradas à maneira do bom pastor. A atitude do homem, com a definição da expectativa humana por meio do estabelecimento de cânones monolíticos e cadaverizados, é que parece, paradoxalmente, ir de encontro à dinâmica noção da ciência.

Olhando para trás no tempo, até os primeiros momentos em que a consciência crítica e apta à formação de cultura gerou suas faíscas iniciais em nossos antepassados, nos parece tola, por tão óbvia, a noção de como o conhecimento se transfigurou até os dias de hoje. De seres vivos que esboçavam seus primitivos ensaios da linguagem a uma civilização global regida pela mais alta e complexa comunicação, o homem tem demonstrado um caráter intrínseco da sua natureza: a transformação. A cultura humana é lapidada, contestada, destruída e reconstruída seguidamente, num ritmo interminável – e a ciência não foge à regra.

Em face desta natureza, digamos, metamorfósica, pareceria no mínimo contraditória a idéia de que pontos de resolução final, portanto fatos incontestáveis, devam delinear a conduta humana no seu relacionamento e percepção de mundo. Os cânones devem, claro, ser formados, as teorias devem ser desenvolvidas, os paradigmas devem ser esculpidos, mas a ciência que de fato merece o título é aquela capaz de aceitar a possibilidade da sua própria supressão.

A grande falha no tratar da ciência moderna – e problemática onde encaixa-se também a questão da pesquisa sobre drogas psicodélicas – é a inabilidade em assumir o caráter transitório do conhecimento humano. E hoje, frente a uma realidade embebida em tão vasta quantidade de informações, as articulações da ciência em função desta incompetência podem assumir dimensões devastadoras. A partir do momento em que o cânone científico deixa de comportar-se como tal e investe-se da imagem de uma espécie de pilar absoluto – indiferente ao tempo e às novidades – a ciência então assume caráter divino: há um deus que, do alto do seu escalão celestial, estipula as regras para os seus domínios, abaixo, e jamais irá descer para ser contestado.

Esta falha, incompatível com a dinâmica natural da cultura, tem se apoiado na própria autoridade científica como defesa às rupturas e expansões do conhecimento. E, pior, tem produzido mecanismos despóticos para o seu auto-reconhecimento. Noções extremamente difundidas, principalmente em comunidades céticas, como misticismo, esoterismo e pseudociência estão tornando-se idéias praticamente auto-valorizadas, que independem de uma real análise para serem fixadas, como etiquetas, em tal ou tal conjunto de idéias ou teorias sobre a natureza e o funcionamento das coisas.

Tudo o que parece extrapolar os frios limites pré-fundamentados e ortodoxamente delimitados pelos paradigmas em voga é, sem o imperativo da real investigação crítica e da flexibilização, impelido e lançado no submundo das fantasias, do misticismo e do primitivismo humano. E, mais aberrante, é o fato de até mesmo novas frentes e teorias filosóficas – que, em princípio, são responsáveis pela atenção, análise e reconfiguração dos alcances do conhecimento – serem, também, aniquiladas pelo poder auto-concebido à ciência.

A equivocada noção, a cada dia mais reforçada, de que o que é metafísico não pertence aos domínios científicos contribui ativamente para a constituição de um universo glacialmente hiper-mecânico, onde noções como a consciência, o comportamento e a experiência subjetiva tornam-se meros e pálidos enfeites da história e evolução do homem.

A Psicologia é basicamente uma ciência metafísica, lida com o comportamento e as suas mais invisíveis e impalpáveis – no entanto realíssimas – nuances. A Medicina Psiquiátrica, apesar de ainda dever analisar o ser humano enquanto suporte físico, também está calcada na análise do conteúdo subjetivo. Antropologia, Ecologia, Direito, Pedagogia, Neurociência Cognitiva e uma série de outras frentes ainda lidam com valores não mecânicos da realidade. Deveriam estas ciências ser condenadas ao mundo da imaginação e do misticismo?



Novas propostas, como as que investigam a natureza da consciência humana – o maior de todos os mistérios científicos – têm sido analisadas sob a luz de uma visão tacanha, como simples figurinhas dispensáveis para o sagrado álbum do conhecimento de ponta. Parece existir um momento onde o domínio científico, tremendamente amedrontado pela visão do que está além, nega-se a expandir-se, assombrado pela possibilidade da sua transformação. Neste panorama, o complexo tema dos estados alterados de consciência pode figurar como um bom exemplo desta dinâmica.

Até a entrada estrondosa das substâncias psicodélicas (vulgarmente conhecidas como alucinógenos) nos laboratórios científicos, a partir do final da década de 40, tais estados, desencadeados ou não pelo consumo de drogas, estavam condenados à natureza da imaginação primitiva ou das patologias. Êxtases xamânicos, estados meditativos, experiências místicas religiosas, entre outros, poderiam, de maneira simples, serem definidos como quadros psicóticos ou arbitrariamente descartados para o universo mítico.

Os mais diversos estudos clínicos com psicodélicos, desenvolvidos em grande número nas décadas de 50 e 60, desencadearam, entretanto, um novo olhar sobre a consciência. Estes estados, experimentados pelos próprios cientistas, continham uma semântica lógica, um mecanismo que muito se diferia de um pacote de transformações aleatórias das percepções. As profundas alterações cognitivas e psíquicas, constantes experiências de despersonalização (perda da noção do ego, sem, no entanto, perder a consciência) e vivências de natureza ontológica (relativas à natureza do ser), muito mais do que os shows pirotécnicos e multicoloridos das ilusões também patrocinados por estas substâncias, causaram um tremor nos laboratórios.

Os estados alterados da consciência, quando trazidos ao domínio da ciência através de um grupo de moléculas praticamente desconhecidas, produziram a emergência de uma nova abordagem sobre o ser humano. E, a partir deste momento, este tipo de ocorrência, espontâneo ou provocado, passou a ser observado sob uma visão muito mais refinada. As manifestações arcaicas, como o xamanismo, até então meros souvenirs mal-conservados da cultura humana, vieram à tona.



O escape destas drogas dos meios científicos, no entanto, foi a ruína da pesquisa psicodélica. Substâncias como o LSD disseminaram-se rapidamente, principalmente entre os jovens norte-americanos, e tornaram-se motores de auxílio à Contracultura. O governo estadunidense, na tentativa de frear os avanços de um movimento que vinha questionando a hegemonia capitalista da qual os Estados Unidos eram o melhor representante, iniciou uma verdadeira guerra. E a War on Drugs (Guerra às Drogas) culminou, inclusive, com a abolição de toda e qualquer pesquisa científica que envolvesse alcalóides psicodélicos. As frentes de investigação, fascinadas pelas novas observações e potencialidades terapêuticas (principalmente em Psiquiatria e Psicologia), foram caladas.

Hoje, felizmente, estas drogas têm retornado ao escopo científico (ver matéria: O Renascimento da Pesquisa Psicodélica), no entanto, ainda não foram capazes de resgatar a investigação da consciência como anteriormente, principalmente pelo fato de que esta pesquisa, em específico, ter sido a mais destroçada e desprovida de crédito em função do propagandismo hippie de que drogas como o LSD expandiam a mente.

Os estados alterados de consciência, infelizmente, retornaram a figurar, porém com bem menos intensidade, como meras expressões do misticismo. Muitos relatos e análises científicas sobre os psicodélicos, que constituem uma significativa fatia da produção científica dos anos 50 e 60, apesar do retorno da pesquisa, foram notavelmente desvalorizados em função do seu caráter metafísico em oposição ao reducionismo materialista do atual establishment científico. A desconsideração da riqueza experiencial percebida pelos cientistas, inclusive reportada sob os moldes da pesquisa clínica, denunciam a inegável inaptidão da ciência moderna em lidar com transições e novas justificações do conhecimento.

Eventos como este demonstram a inadiável emergência por questionamentos práticos sobre a ética da ciência moderna. E enquanto a Filosofia não for capaz de reassumir o seu papel analisador e modificador das implicações e limites científicos, o conhecimento humano talvez continue traçando uma penosa direção de retrocesso investigativo e abordagens capengas de novos valores.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Personalidades // Terence McKenna: da emersão da consciência humana através dos psicodélicos ao renascimento da cultura arcaica



"Nossa cultura, auto-intoxicada pelos subprodutos venenosos da tecnologia e pela ideologia egocêntrica, é a infeliz herdeira da atitude dominadora que diz que a alteração da consciência através do uso de plantas ou de substâncias é errada, masturbatória e perversamente anti-social.”

Terence McKenna talvez seja uma das mais complexas e controversas personalidades ligadas aos novos conhecimentos sobre substâncias psicodélicas e suas respectivas utilizações no mundo antigo e moderno. McKenna (1946 – 2000), um etnobotânico e ensaísta filosófico norte-americano, foi muito além das investigações psicofarmacológicas ligadas à história comportamental humana, e talvez por esta mesa razão o seu conhecimento, adquirido e processado ao longo de intensos 30 anos de pesquisa e desenvolvimento, suscite os mais variados tipos de reação nos meios científicos. O cientista foi respeitado por muitos, rechaçado por outros muitos também.

McKenna foi um desbravador de limites, um constante explorador de novos panoramas, realidades e conexões do conhecimento humano – foi a figura do cientista pleno, aquele incapaz de ser vencido pelo medo do novo ou pela força cadaverizada das instituições e cânones pré-estabelecidos. McKenna já foi, por muitos, chamado de louco, místico ou qualquer adjetivo destes que representem primeira idéia de um rechaço por parte dos representantes da ciência e conhecimento fundamentalistas. O etnobotânico lançou uma infinidade de idéias como representações de uma vontade séria e consciente de questionar os paradigmas em voga para sugerir a existência de outros diversos e novos paradigmas dignos de uma atenção refinada. Acreditando-se ou não nas teorias de McKenna, ele, inegavelmente, representou um personagem clássico do mundo do conhecimento.

Suas propostas, seus questionamentos, no entanto, possuem uma natureza tão caleidoscópica, tão hiper-povoada pelos mais distintos tipos de mimese, que podem emergir, em um primeiro momento, como uma mal costurado retalho de ideologias e pensamentos cafonas e pretensiosamente libertários à la New Age. Mas McKenna é muito mais complexo do que um primeiro momento.

A saga psicodélica de McKenna iniciou-se após sua graduação em Ciência da Ecologia, em 69, na Universidade de Berkeley, quando, acompanhado pelo irmão Dennis McKenna, neurobiólogo, e mais três amigos, embarcaram em uma viagem à Amazônia Colombiana em busca do oo-koo-hé, uma bebida sacramental indígena que contém DMT (N,N-dimetiltriptamina), um poderoso agente psicodélico. Na cidade de La Chorrera, submeteu-se a uma experiência transformadora. Segundo o próprio McKenna, ele entrou em contato com o que chamou de Supermente, uma espécie de matriz de todas as formas de consciência e linguagem, que o teria impulsionado a investigar e estudar uma série de valores que culminaram com o que os irmãos batizaram de Teoria da Novidade. Tal teoria, de natureza filosófia, discorria sobre uma possível característica de ressonância temporal e existência de padrões rítmicos de tempo, interpretados a partir de elementos de natureza fractal (Geometria Fractal) e a análise dos trigramas e hexagramas do antiqüíssimo livro oriental conhecido como I Ching – obra que já esteve na pauta de pensadores como Jung.



As tentativas de interpretar as circunstâncias e efeitos bizarros deste primeiro momento, regado a diversas experiências reveladoras com DMT e psilocibina - substância encontrada em cogumelos do gênero Psylocibe, resultaram na publicação do livro The Invisible Landscapes – Mind Hallucinogens and The I Ching (sem tradução para o português, algo como As Paisagens Invisíveis – Mentes Alucinogênicas e o I Ching) em 1975. As idéias do cientista, no entanto, representavam embriões ainda mal-formados e difusos que seriam constantemente investigados e amadurecidos pelo resto de sua vida.

No início dos anos 80, McKenna começou a falar publicamente sobre o tema dos psicodélicos e a desenvolver uma série de workshops – destacando as substâncias naturais, como o DMT e a psilocibina, muito mais do que as sintetizadas ou semi-sintetizadas, como o LSD. Embora muitas vezes associado, por quaisquer motivos, às ideologias New Age (Nova Era), o próprio McKenna sempre assumiu pouca ou quase nenhuma paciência para as sensibilidades e apontamentos destes paradigmas. E embora tenha também embarcado na observação de universos não acadêmicos, como o da gnose, ele jamais considerou-se como um partilhador do movimento.

Tal comparação fez-se muito persistente quando McKenna sugeriu o ano de 2012 como a data-crise de uma possível mudança brusca, que já vinha ocorrendo, de consciência e evolução comportamental e cultural humana através da sua excêntrica Teoria da Novidade. No entanto o cientista nunca se aproximou de profecias apocalípticas, e citava valores culturais já pré-existentes como agentes desta possível mudança: consumo de psicodélicos, movimentos musicais (como a música eletrônica), internet etc.

No início dos anos 90 McKenna lançou duas publicações que vieram a enriquecer e transformar, significativamente, a natureza e o direcionamento de suas propostas desencadeadas pela imersão investigativa no mundo destes compostos químicos. São elas: The Arcaic Revival (O Retorno à Cultura Arcaica) e Food of the Gods (Alimento dos Deuses). A primeira obra, The Arcaic Revival, nos confronta com uma análise profunda das primeiras tradições xamânicas - principalmente as usuárias de substâncias psicodélicas. Em uma posterior análise, igualmente profunda, o autor procura identificar vestígios na cultura moderna que possam demonstrar uma espécie de busca inconsciente pela re-vivência destes valores – hoje condenados pelo homem e pela ciência ao terreno desimportante da fantasia, do mito, do primitivismo imaginativo humano despropositado.

Na obra, McKenna traça um paralelo entre a riqueza, o reconhecimento e o poder de vivências em estados não-comuns de consciência no passado – capazes de redesenhar os limites e valores na realidade prática, e a completa e generalizada indiferença contemporânea a tudo o que possa ultrapassar as noções reducionistas, materialistas e definidoras da mente como subproduto de um amontoado de matéria orgânica friamente entrelaçado.



Em The Arcaic Revival, McKenna aprofundou-se de maneira vertiginosa num exame da cultura ocidental moderna, em temas como a realidade virtual, internet, body art, dança contemporânea, loucura, movimentos da música eletrônica e estética (a estética filosófica). Na obra o cientista nos confronta com a relação entre essas novas tendências e os comportamentos antepassados ligados ao conhecimento transcendental e ao costume, legítimo do homem em variadas épocas e locais, de buscar o contato com realidades não-ordinárias através de estados incomuns de percepção.

Um interessante tema abordado por McKenna nesta obra concerne ao, ainda hoje, controverso tema da análise psicológica e psicoterapêutica de um conhecido personagem deste passado rico em experiências místicas: o xamã. Até os anos 40, e após o consagrado estabelecimento da Psicanálise, havia um consenso acadêmico de que esta figura era nada mais do que o esquizofrênico do passado: um ser humano acometido de psicoses e que, devido a esta natureza patogênica, vivia em um mundo alucinado de fantasias, delírios e histeria. A despeito da inegável importância reconhecida aos xamãs (em sua época e universo) enquanto curandeiros, agentes ativos de suas comunidades e intermediadores entre a realidade comum e a extraordinária, eles foram condenados, na modernidade, à natureza das patologias. Este consenso, no entanto, tornou-se um embate dos mais diversos apontamentos e discordâncias no mundo científico.

McKenna invoca, em The Arcaic Revival, uma ousada teoria: a de que se os xamãs do conhecimento arcaico e os esquizofrênicos da sociedade moderna nadam no mesmo oceano de estados alterados de consciência, é a própria sociedade que tem o poder de torná-lo louco – condenado à solidão devastadora em seu próprio mundo, ou mestre – capaz de interpretar e comunicar controladamente a natureza transformadora do que vivencia. E hoje, se os possíveis esquizofrênicos possuem toda a potencialidade de transformação e compreensão de outras realidades assim como os xamãs de eras passadas, esta potencialidade é trancafiada a sete chaves dentro de manicômicos – as máquinas de loucura, ou é terrivelmente embotada pelas receitas médicas arbitrárias que procuram submergir o “louco” em uma camisa de força farmacológica.

Depois de The Arcaic Revival, McKenna trouxe, em Food of the Gods (Alimento dos Deuses) as teorias da emersão da consciência humana à luz do universo das antiqüíssimas substâncias psicodélicas e sua utilização pelas sociedades no passado. O cientista propôs uma visão radical sobre o misterioso momento em que a consciência ancestral de espécies hominídeas emerge do seu estado sensiente – incompreensivo e animalesco, para o estado de consciência enriquecida e profundamente transformada pela capacidade de linguagem, comunicação, cultura, pensamento crítico e, acima de tudo, autoconsciência. Que fatores teriam causado tal refinamento de percepção? McKenna nos responde polemicamente: os psicodélicos.

Os registros da utilização destes alcalóides pelo homem em tempos remotos, desde o século XVIII a.C., sinalizam que a relação da espécie humana (e seus ancestrais) com tais drogas pode, na verdade, ser indefinível em termos de exatidão, podendo nos remontar a eras pré-históricas. Manifestações pré-colombianas como as identificadas através de remanescentes estátuas e esculturas arqueológicas em forma de cogumelos na Guatemala ou dos afrescos de Teotihuacan na cidade do México (onde há inegáveis representações da ingestão de cogumelos em um universo místico), nos dão indícios de que o homem tem consumido psicodélicos desde tempos imemoráveis.



McKenna nos sugere, assim como o escritor Henry Munn esboçou em The Mushrooms of Language (Os Cogumelos da Linguagem) em 1973, que este contato e consumo tenham sido notavelmente determinantes para a transformação da consciência acrítica na consciência interpretativa lingüística que acompanha os homens até os dias atuais. McKenna traça um estudo etnobotânico em que discorre sobre possíveis alterações nos estímulos ligados à sobrevivência que teriam sido redesenhados pelas alterações genéticas (mutações) em longo prazo provocadas pela ingestão continuada destas substâncias, mais precisamente dos cogumelos – containers naturais de substâncias como a psilocibina.

E além das propostas sobre a evolução da consciência humana através do consumo destas plantas – conhecidas como plantas do poder, McKenna ainda participou de publicações em co-autoria com outros diversos autores responsáveis pela divulgação de novas teorias e proposições, em universos até então considerados tabus, que se tornaram temas vitais para a "fringe science" – a porção da ciência alternativa às visões pré-fundamentadas. Em obras como Trialogues at the Edge of the West (Triálogos), desenvolvida em co-autoria com o biólogo Rupert Sheldrake e o matemático Ralph Abraham, e Twilight of the Clockwork God: Conversations on Science & Spirituality at the End of an Age (O Fim da Divindade Mecânica: Conversas Sobre Ciência e Espiritualidade), onde participou com um artigo sobre plantas psicodélicas, McKenna aborda inúmeros temas de uma espécie de novo conhecimento humano – como a teoria do caos, realidade virtual, campos morfogenéticos e êxtases xamânicos. E esta abordagem vem sempre como a roupagem muito bem fundamentada de um questionamento honesto da frieza materialista e reducionista de uma divindade científica alicerçada na abordagem linear de um universo mecânico newtoniano-cartesiano.

Durante os anos 90 até a sua morte, em 2000, além de ter se tornado um cientista respeitado e significativa referência para importantes pesquisadores de áreas como antropologia, botânica, biologia e psicologia, McKenna ainda tornou-se uma figura venerada pelo então crescente movimento da música eletrônica, chegando até mesmo a fazer pequenas participações em festivais do gênero. McKenna teve suas declarações públicas sampleadas por diversos artistas e produtores da música eletrônica, mais especialmente do gênero conhecido como Goa Trance: The Shamen, Spacetime Continuum, Alien Project, Capsula, Entheogenic, Zuvuya, Shpongle e Shakti Twins.

McKenna morreu em 3 de abril de 2000, vítima de uma forma agressiva de câncer cerebral, aos 53 anos. Para muitos, talvez, Terence McKenna tenha representado apenas a patética figura de um pseudo-cientista incapaz de organizar seus próprios apontamentos, mas para muitos outros, entre eles importantes figuras científicas do novo século, ele representou a semente de um sincero desejo de ruptura com o frio stablishment científico através de uma ávida e pioneira busca por novos panoramas e paradigmas que possam analisar e interpretar a condição humana no universo com muito mais refinamento, visão, honestidade e crítica.