domingo, 17 de maio de 2009

Matérias // O Renascimento da Pesquisa Psicodélica



Depois de mais de 20 anos condenados a uma silenciosa moratória científica, os psicodélicos dão claros sinais de que estão saindo das sombras destruidoras da desinformação para cair, novamente e com seriedade, nas rotas das pesquisas e investigações.

// por Ciro MacCord

Há aproximadamente 3 décadas as drogas psicodélicas foram completamente banidas dos laboratórios científicos, onde, pelas mãos de inúmeros especialistas de diversas áreas, representaram o descortinamento de novos horizontes nos estudos da psique, da mente e da consciência humana – além de apresentarem novíssimos potenciais terapêuticos. Antes que observações conclusivas pudessem ser construídas, antes mesmo do potencial destas pesquisas ser plenamente explorado, no entanto, os psicodélicos foram arrancados, à base de muita pressão e violência políticas, das mãos de uma vanguarda científica em pleno desenvolvimento.

A partir daí, o que se viu foi a morte repentina de uma série de programas oficiais dedicados ao estudo destas drogas. Linhas e linhas de pesquisas promissoras, de novos apontamentos e interconexões de informações foram imediatamente abortados. Os últimos projetos investigativos sobreviventes, entre eles o do Centro de Pesquisa Psiquiátrica de Maryland, nos EUA (do qual Stanislav Grof fazia parte), cederam, enfim, às exigências de uma nova política que viria a se disseminar internacionalmente – a conhecida War on Drugs (Guerra às Drogas)
inaugurada pelo governo americano no final da década de 60 como feroz resposta a um movimento que vinha questionando com grande força a direção da hegemonia capitalista americana – a Contracultura.

Em 1971, o LSD e outras drogas estavam absolutamente desconectados da ciência, e haviam se transformado, através das investidas governamentais, nas mais torpes substâncias já encontradas na face da terra, em detrimento de sua vasta contribuição e potencialidade de subsidiar importantes pesquisas e respostas. O LSD, por exemplo, foi posto ao lado de drogas devastadoras como a heroína nas escalas mundiais de danos, mesmo tendo sido provada a sua incapacidade de desenvolver relação de vício e mesmo os seus mecanismos de atuação no cérebro humano jamais terem sido completamente desvendados.

Durante 20 anos, aproximadamente, o que se ouviu foi um absoluto e agoniante silêncio sobre as drogas psicodélicas, ao mesmo tempo em que a política da Guerra às Drogas colhia as suas infindáveis frustrações: do narcotráfico ao abuso ilegal de substâncias que jamais parou de acontecer nos 4 cantos do planeta, e com mais intensidade – e quase que sarcasticamente, em território norte-americano. Os psicodélicos, durante este extenso período, deixaram o seu status de droga hippie para, definitiva e infelizmente, tornarem-se drogas recreativas firmemente estabelecidas entre os jovens até os dias de hoje. E após o nascimento da cultura eletrônica eles tomaram força ainda maior no convívio ilegal e inconsciente com as populações ao redor do planeta.

Hoje, no entanto, e para a satisfação da investigação honesta, estas drogas têm retornado, vagarosamente, ao status de escopo científico reconhecido. Como ponto de partida deste renascimento podemos citar Rick Strassman, um pioneiro psiquiatra americano, pesquisador na área clínica de psicofarmacologia. Strassman foi o primeiro cientista a obter permissão do FDA norte-americano (Food and Drug Administration), após 20 anos, para desenvolver estudos científicos clínicos com psicodélicos. Particularmente interessado nas potencialidades do DMT (dimetiltriptamina), uma poderosa substância psicoativa e princípio ativo de bebidas sacramentais
como a ayahuascautilizadas há séculos por tradições xamânicas, Strassman iniciou, em 1990, uma investigação sobre as implicações da substância na mente humana, assim como potencialidades terapêuticas e relações entre os estados alterados desencadeados por ela e os desencadeados em universos religiosos e transcendentais.

O DMT é uma substância endógena (produzida pelo próprio corpo) do cérebro humano, produzida em baixas doses, e este dado foi promissor na conexão de informações sobre os processos bioquímicos cerebrais ligados a estados não comuns de percepção, como experiências de quase morte, processos oníricos, êxtase religiosos, estados meditativos, práticas xamânicas, entre outros.




Strassman publicou boa parte de suas investigações e experimentos biomédicos com DMT na obra DMT: The Spirit Molecule (sem tradução no Brasil, DMT: A Molécula Espiritual), e continua sua jornada por respostas e busca de um novo panorama científico à cerca dos psicodélicos. O psiquiatra já trabalhou também com outras substâncias como a psilocibina – princípio ativo dos cogumelos pertencentes ao gênero Psilocybe.

Após o pioneirismo de Strassman, as portas, antes definitivamente trancadas à entrada dos psicodélicos nos meios científicos, deixaram um pequeno vão para que posteriores linhas de pesquisa pudessem ocorrer. David E. Nichols, um importante químico farmacologista americano e considerado, atualmente, uma das maiores referências mundiais na pesquisa psicodélica, pôde retornar à investigação do LSD e dar continuidade a estudos que vinha desenvolvendo desde o final dos anos 60. Nichols é responsável por uma série de artigos publicados onde procura identificar os mecanismos cerebrais desencadeados pela adição de drogas como o ácido lisérgico, a mescalina e o MDMA (um tipo de anfetamina com propriedades psicodélicas; ecstasy), e tem sido, nos últimos 15 anos, uma importante influência para o estabelecimento dos interesses científicos no universo dos psicodélicos.

Além dos alcalóides clássicos – mescalina, LSD, psilocibina e DMT, outras substâncias tem sido abarcada no grupo de agentes psicodélicos – entre elas a quetamina, um anestésico dissociativo. A quetamina tem se tornado a protagonista de uma diversidade de estudos sobre propriedades terapêuticas em seres humanos. Investigações promissoras, como a desenvolvida pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, em 2006, ou pelo psiquiatra russo Evgeny Krupitsky, têm apontado para efeitos positivos no tratamento de distúrbios psíquicos como a depressão.

Ainda em 2006, dois estudos, desenvolvidos pelo psiquiatra Francisco Moreno, da Universidade do Arizona, e pelo neurocientista Roland Griffths, da Faculdade de Medicina Johns Hopkins, resultaram em dados animadores sobre os efeitos clínicos da psilocibina. Estas pesquisas, que adminstraram doses do alcalóide oriundo dos cogumelos do gênero Psylocibe em pacientes saudáveis e em voluntários diagnosticados com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), relataram mudanças de humor e percepção de mundo positivas no primeiro caso, e redução dos sintomas nos pacientes no segundo. Outro estudo à cerca da psilocibina, desenvolvido pelo psiquiatra Charles Grob, da Universidade da Califórnia, ainda apontam para efeitos promissores na redução do stress e dor em pacientes com câncer em fase terminal.

Recentemente, também, outro psiquiatra norte-americano, Michael Mithoefer, iniciou uma investigação do MDMA em casos de ansiedade e stress pós-traumático. Além dos estudos citados, substâncias como a ibogaína, quetamina, psilocibina e DMT também vem sendo investigadas, em diversos países, no tratamentos de dependências químicas como o alcoolismo.

Há pouquíssimo tempo, em julho de 2008, finalmente foram permitidos estudos humanos com LSD nos laboratórios Suiços. O psiquiatra Peter Gasser obteve autorização do governo suíço – através do auxílio da iniciativa da MAPS (Associação Multidiciplinar para Pesquisas Psicodélicas), para iniciar uma pesquisa das propriedades terapêuticas do LSD em pacientes com quadro clínico próximo da morte. Atualmente, encontramos também uma frente de pesquisa utilizando o LSD e a psilocibina, liderada pelo psiquiatra John Halpern, na Universidade de Harvard. Halpern está investigando o uso destes alcalóides no tratamento de enxaquecas, e os resultados devem ser publicados ainda este ano.

Indo de encontro às satanizadas preconizações alçadas aos quatro ventos pela política proibicionista e violenta da Guerra às Drogas, os psicodélicos tem demonstrado, nos últimos anos e em inúmeros casos, utilizações positivas e eficazes em tratamentos psicoterapêuticos e psicanalíticos, assim como na investigação da consciência humana. Um importante momento de lucidez científica parece ir, aos poucos, retirando os psicodélicos das escuras masmorras da falta de informação e do desconhecido, para enfim trazê-los à luz do conhecimento sincero e, acima de tudo, francamente interessado em expandir seus horizontes e desafiar os grandes mistérios do conhecimento humano.

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