As substâncias popularmente denominadas como alucinógenas já receberam uma infinidade de nomenclaturas em diferentes momentos e universos de análise. Como, afinal, devemos nos reportar a este grupo de alcalóides que apresentam uma multiplicidade tão variada de naturezas, efeitos e utilizações?
// por Ciro MacCord
O termo alucinógeno é, talvez, a mais antiga referência científica a este grupo de substâncias. Tal palavra, no entanto, vem demonstrando uma notável incompetência em denominar ou rotular os complexos efeitos e implicações desencadeadas pela adição destes químicos. Alucinógeno deriva do verbo alucinar, de origem grega (alucinare), em adição ao radical grego gene – que provoca, que gera. Como alucinação podemos compreender a percepção real de objetos inexistentes na realidade, ou seja, percepções sem estímulo externo, delírios, e podem ser tanto de natureza visual quanto sonora.
É do conhecimento científico, porém, que a alucinação é um fator complexo e para o qual se deve tomar especial atenção e cuidado no tratar destas drogas. Primeiramente, são poucos os alcalóides deste grupo que, de fato, causam alucinações, ou seja, que levam o indivíduo a perceber e receber estímulos visuais ou auditivos de objetos que, em verdade, não existem. O próprio LSD está fora desta classificação. Os relatos e experiências clínicas nos mostram que a maioria destes alcalóides desenvolve efeitos que podemos incluir na natureza das ilusões, e não das alucinações. A ilusão pode ser compreendida como uma confusão sensorial que provoca uma distorção da realidade, ou seja, é a percepção alterada de estímulos reais originados por objetos reais. Um bom exemplo são as miragens observadas por sujeitos em meio ao deserto: há uma imagem percebida de modo distorcido.
E, então, por que não denominar tal grupo por “ilusógenos”? Mesmo referindo-se a estas drogas com mais fidelidade, o termo ainda demonstraria uma franca pobreza em lidar com os significados destes agentes. As primeiras investigações científicas demonstraram que a natureza ilusória gerada por estas substâncias corresponde a apenas um dos fatores decorrentes da adição das mesmas. Uma série de outras importantes implicações e percepções foram identificadas nos experimentos clínicos: intensas alterações cognitivas, experiências extáticas, fluxos de informações e cargas afetivas e psíquicas, exposições a diferentes valores de natureza ontológica (percepção da natureza do ser, da consciência), entre outros. E, se à ciência cabe a função de nomear termos que correspondam com honestidade a seus objetos, ainda era preciso que se criasse uma nomenclatura mais abrangente.
Foi em função desta variedade de efeitos e da inabilidade descritiva da palavra “alucinógeno” que, em 1953, o psiquiatra e pesquisador Humphrey Osmond cunhou o termo psicodélico. Osmond relata que a definição nasceu em uma das conversas com Aldous Huxley, o famoso ensaísta filosófico e autor de Portas da Percepção. Durante esta conversa, Huxley teria sugerido o termo phanerothyme, palavra que unia os termos gregos phanero – visível, a thymos, um termo sob o qual Platão definia a junção da alma ao logos – razão, conhecimento universal, e ao eros – sensibilidade, prazer. Huxley sugeriu tal nomenclatura a partir de um pequeno verso: “To make this mudane world sublime, take a half gram of phanerothyme” (Para tornar sublime este mundo trivial, tome meia grama de phanerothyme”). Osmond respondeu à proposta de Huxley cunhando o que viria a tornar-se um termo mundialmente conhecido: “To fall in hell or soar angelic, you'll need a pinch of psychedelic” (Para cair no inferno ou elevar-se ao angélico, você precisa da pitada de um psicodélico).
Apesar da humorada brincadeira, Osmond prosseguiu com seriedade na questão. A palavra psicodélico origina-se dos radicais gregos psyche – psique, mente, e delein – manifestação. Literalmente significando "que manifesta a psique", o termo continha uma capacidade muito mais complementada em definir os efeitos e a natureza destas substâncias: as constantes e intensas alterações cognitivas e psíquicas originadas pela utilização deste grupo de fármacos ratificava e justificava a criação de uma nova palavra. E foi sob o nome de psicodélicos que estes alcalóides foram pesquisados durante as investigações que ocorreram nos anos 50 e 60, até o seu completo banimento dos laboratórios no final da década de 60 como parte das violentas iniciativas governamentais que pretendiam responder aos questionamentos da Contracultura (expressivamente influenciada pelo uso destas substâncias).
Condenando o termo psicodélico apenas às manifestações hippies e baseando-se em determinadas teorias científicas, as políticas públicas calcaram-se em acepções como psicomiméticos, psicotomiméticos, psicogênicos e, acima de tudo, em um retorno massivo ao termo alucinógeno. Psicomimético, psicotomiméticos ou psicogênicos, termos cunhados em função de algumas linhas de pesquisa, derivam da palavra psicose em adição ao radical grego mimesis – imitação ou gene – que provoca. Tal definição foi criada levando-se em conta a teoria de que estas drogas simulariam ou desencadeariam estados psicóticos em pessoas saudáveis, dando prioridade aos efeitos ilusórios e alucinatórios muito freqüentemente identificados em patologias psíquicas, como a esquizofrenia. Tal teoria, no entanto, jamais foi comprovada, e o termo, pontual na sua definição, tornou-se obsoleto.
Com o passar do tempo e no decorrer dos mais de 20 anos em que estes alcalóides foram proibidos nos meios científicos, emergiram, de seus universos nativos e até então não muito bem conhecidos, uma série de novos contextos de uso. Entre eles encontramos as religiões ayahuasqueiras, que utilizam um antigo chá sacramental - a ayahuasca, consumido pelo homem desde os tempos pré-colombianos. O consumo ritual ou xamânico destes alcalóides, observados também em inúmeras sociedades ao redor do planeta, despertaram um interesse científico (muito mais antropológico) que exigiu a criação de uma nova definição: enteógeno.
O termo enteógeno, proposto em 1973 por pesquisadores que investigavam o uso cerimonial de agentes psicodélicos, deriva dos radicais gregos entheos – divindade, e gene – que traz, que produz. Tal acepção, que prima pelo aspecto antropológico do uso destas substâncias, passou a definir os psicodélicos enquanto elementos sacramentais utilizados em universos religosos ou místicos – onde representam uma espécie de chave entre a realidade comum e uma realidade extraordinária onde ocorrem êxtases, revelações e aprendizados. A religião brasileira do Santo Daime - onde se consome a ayahuasca, ou a Igreja Nativa Americana - onde se consome uma bebida feita a partir do peyote (cacto onde a mescalina pode ser encontrada), são exemplos categóricos de panoramas onde estes químicos podem ser definidos como enteógenos.
Ao fim temos uma definição um tanto quanto apática, mas bastante utilizada nos meios científicos: psicodislépticos ou perturbadores do sistema nervoso central. Este grupo, em complemento a outros dois: estimulantes (analépticos) e depressores, (psicolépticos) representam todas as substâncias psicoativas conhecidas pelo homem.
As pesquisas modernas, no entanto, num sentido de retomar o valor científico anteriormente dado a estes químicos, têm se apoiado no termo psicodélico como melhor definição da complexidade ímpar destes alcalóides. A própria ciência tem reconhecido, nos últimos tempos, a inexistência de outra acepção mais abrangente e honesta.
A flor perfeita da cultura psicodélica
Há 6 meses