quinta-feira, 21 de maio de 2009

Matérias // Glândula Pineal: Máquina de Psicodélicos?


"Em oposição ao seu pequeníssimo tamanho, a pineal, uma intrigante glândula do cérebro humano, tem despertado um enorme interesse científico, e uma série de estudos recentes nos mostra que ela pode ter muito mais a ver com os estados alterados de consciência do que se pensava anteriormente."

// por Ciro MacCord

Na região do centro geométrico do cérebro humano, aprisionada exatamente entre as massas esquerda e direita dos nossos lóbulos cinzentos, encontra-se uma estrutura orgânica mínima, semelhante a um caroço de azeitona, que, apesar da sua ínfima dimensão, vem fomentando a curiosidade do homem há mais de vinte séculos – sem, no entanto, que se tenha chegado a um veredicto final.

Trata-se da glândula conhecida como pineal (ou epífise), uma pequena estrutura responsável por muito mais funções humanas do que se imaginava. E a dimensão destas novas funcionalidades parece ir aumentando a cada novo dia de investigação. Esta pequena glândula já suscitou as mais diversas hipóteses. Entre elas encontramos as teorias do físico e matemático René Descartes, no séc. XVII: segundo suas observações, a pineal era a glândula responsável pela transmissão e regulação dos pensamentos no cérebro, e, indo ainda mais longe, era o local onde provavelmente residia a alma humana – nossa ligação com Deus e interface entre a realidade física e uma outra metafísica. Descartes lançou mão de tais hipóteses em função de um fato instigante: a pineal é a única estrutura cerebral que não se divide em duas partes idênticas refletidas. Ela mantém-se única entre as demais estruturas gêmeas.

As primeiras investigações, no entanto, datam de cerca de 300 a.C., quando Herófilo e Erasístrato, filósofos gregos, consideraram-na um tipo de válvula que regulava aquilo que chamavam de spiritus vitalis – uma espécie de fluído etéreo que supostamente corria junto com o sangue nas artérias humanas. Cerca de 150 anos depois, Galeno, também filósofo grego, foi o primeiro a sugerir uma natureza linfática deste órgão.

Passando pela história e literatura gerais, principalmente de tradições místicas e religiosas, encontramos múltiplas interpretações relacionadas a esta pequena estrutura. Uma das mais antigas referências encontra-se em um antigo e sagrado livro hindu – o Vedas, onde a pineal pode ser identificada com o mais importante dos chacras (centros vitais de energia), aquele considerado como a sede da força espiritual suprema: o saharasra-chacra (lótus-das-mil-pétalas). Esta noção, de um ponto dotado de força superior na altura da cabeça e acima dos olhos, foi explorada pelas mais diversas correntes religiosas e conhecimentos místicos antigos – e muitos estudiosos tem valorizado estas referências como alusões ao significado da glândula. Os tibetanos acreditavam em um centro de energia e projeção para uma espécie de consciência cósmica e até mesmo os egípcios concediam a um determinado ponto, nesta localização anatômica, o poder da clarividência e da capacidade de enxergar outros mundos e dimensões – tratava-se do Olho de Órus. A história metafísica desta glândula é, sem sombra de dúvidas, muito mais rica e vasta do que a própria história científica.



Foi apenas no início de séc. XX, porém, que a pineal voltou a tornar-se um motivo de grande interesse da ciência, principalmente após a descoberta dos órgãos endócrinos (estruturas que produzem hormônios).

Acreditou-se, após este período de redescoberta e por muito tempo, que a glândula era nada mais do que um órgão vestigial – uma estrutura rudimentar e atrofiada que, por qualquer motivo, havia permanecido na formação cerebral humana (e também na de outros animais) durante a evolução. Este consenso, no entanto, foi dissolvido por uma descoberta considerada entre as mais importantes do século: Aaron Lerner, um médico e pesquisador estadunidense, verificou, em 1958, a produção em grandes quantidades de um hormônio na pineal até então desconhecido: a melatonina. Esta descoberta iniciou o que se poderia chamar de “a era das hipóteses sobre a melatonina”.

Algumas destas teorias, aceitas no campo científico em função de suas evidências, tratam da atuação determinante deste hormônio sobre importantes ciclos humanos. A melatonina é possivelmente, dentre outros, o agente mais responsável pela regulação dos ciclos do sono, e isso é possível apenas em função da capacidade da pineal em receptar estímulos de luz e temperatura externas. E além da fisiologia do sono, o hormônio é também um provável agente indispensável para a regulação dos ciclos hormonais ligados à sexualidade e reprodução.

Nas últimas décadas, o interesse científico sobre esta pequenina glândula cresceu exponencialmente, fazendo com que uma quantidade espetacular de novas informações e pesquisas brotassem em diversas áreas: histologia, embriologia, endocrinologia, neurologia, psiquiatria, etologia etc.

Mas, afinal, em que este órgão, tão pequeno e, no entanto, tão complexo, pode ter a ver com experiências psicodélicas? As respostas para este questionamento podem residir no universo de uma complexa substância – o DMT (N-N,dimetiltriptamina), um poderoso alcalóide psicodélico pertencente à mesma família da melatonina – as triptaminas.

Rick Strassman, psiquiatra norte-americano, iniciou uma investigação clínica com seres humanos utilizando o DMT, em 1990. Durante o programa, pioneiro na obtenção de uma autorização para estudos científicos com psicodélicos (após muitos anos de moratória - ver matéria: O Renascimento da Pesquisa Psicodélica), e que durou até 1995, foram administradas cerca de 400 doses a 65 voluntários. Entre os motivos que levaram Strassman a investigar o DMT, a busca por uma espécie de base ou correspondência biológica para os estados incomuns de percepção era, certamente, um dos mais fortes. E a pineal, dentro desta complexa equação, possivelmente representava uma incógnita.

A história de Strassman com a glândula, no entanto, era muito mais antiga. Após graduar-se em medicina pela Universidade de Stanford e finalizar sua residência na área da Psiquiatra, Strassman participou de um estudo, no Alaska, sobre a “depressão de inverno”. As pesquisas procuravam estabelecer funcionalidades biológicas para as alterações de comportamentos conhecidas como sazonais – aquelas que parecem corresponder a ciclos naturais temporais como as estações. Tais investigações aumentaram o interesse humano sobre a pineal.

Strassman, posteriormente, muda-se para San Diego, onde, com dois colegas de profissão, Jonathan Lisansky e Glenn Peake, desenvolve uma intensa pesquisa clínica, com seres humanos, sobre as funcionalidades e natureza do hormônio melatonina – produzido pela glândula. O cientista já buscava a sondagem de possíveis efeitos psicodélicos da substância. No decorrer das pesquisas, no entanto, Strassman verificou a completa inexistência de ações psicoativas semelhantes às que procurava. Apesar deste desapontamento, foi feita, durante a pesquisa, a primeira verificação documentada de uma função da melatonina humana: a regulação da temperatura corporal durante o estado de sono.

Sabia-se que este hormônio era produzido em grandes quantidades no cérebro humano no período noturno. Já sob condições de luz natural ou até mesmo artificial, alguma defesa do organismo forçava esta produção a aproximar-se de zero – e esta defesa, em particular, era extremamente infringível, mantendo-se até mesmo em momentos de estresse, quando grandes descargas de hormônios são liberadas dentro do corpo. Tal fato, que o levou a ser chamada de “hormônio da escuridão”, era particularmente instigante, levando-se em conta que as experiências oníricas ocorrem durante o sono e têm o seu ápice aproximado ao momento de ápice da produção da melatonina.

Strassman estava particularmente interessado em encontrar uma correspondência entre os estados incomuns de percepção espontâneos, como êxtases religiosos, experiências da quase morte (EQM) e até mesmo psicoses, e aqueles induzidos pelo consumo de substâncias psicodélicas. As similitudes entre as descrições de ambas as naturezas de experiência o levavam a crer em uma base comum.

O cientista passou, então, a procurar identificar qualquer vestígio da possível produção de algum agente psicodélico na pineal, já que a melatonina não se apresentava como tal. Sua investigação detalhada das propriedades farmacobiológicas da glândula o levaram, então, a fortes indícios e evidências de que ali, naquele orgãozinho minúsculo, poderia ser sintetizado um potente agente químico psicodélico: o DMT.



Esta substância é comprovadamente sintetizada pelo próprio corpo – apesar de, até hoje, não se haver descoberto onde, como e por qual órgão esta sintetização ocorre. A produção endógena do DMT foi identificada nos anos 50, através de exames que demonstraram a existência do composto na urina, sangue e fluído cerebrospinal. Tal descoberta, na época, fez com o que os pesquisadores imaginassem uma possível relação entre a esquizofrenia e a produção interna do agente – onde algum tipo de distúrbio na regulação desta produção poderia provocar os quadros psicóticos. Os estudos, porém, foram inconclusivos.

Surpreendentemente, todos os precursores, enzimas e agentes estruturais necessárias para a sintetização deste alcalóide pelo corpo foram identificadas por Strassman na glândula pineal, e o cientista até mesmo estranhou a inexistência, até o momento de sua pesquisa, de qualquer outro estudo que traçasse tal ligação. A partir deste momento, Strassman pode identificar uma série de evidências da produção do DMT pela pineal, inclusive delineando lógicas bioquímicas que respondessem a adicionais funcionalidades da glândula, como o seu forte bloqueio desempenhado nos momentos de vigília (mecanismo ainda não bem compreendido pela ciência).

Partindo do princípio hipotético de que a pineal produz DMT, seria um tanto óbvia a necessidade de tal bloqueio. Um ser humano, em seu estado desperto, que sofresse a influência de cargas de DMT no cérebro, jamais seria capaz de desenvolver ações corriqueiras em prol da sua sobrevivência: pelo contrário, uma constante tempestade de visões, percepções alteradas e processos cognitivos em movimentos supersônicos e psicodélicos o impediriam de estabelecer uma boa desenvoltura na realidade das percepções ordinárias.

Sabe-se também que o próprio corpo produz o agente que poderíamos chamar de anti-DMT - a monoaminaoxidase (MAO). Este composto possui ação análoga ao químico e é responsável pela manutenção dos níveis normais da substância no cérebro. Outras substâncias, que podemos incluir na equação do DMT, são as beta-carbonilas, um grupo de agentes que poderíamos chamar de pró-DMT. As beta-carbonilas são encontradas em diversas espécies de plantas, como o maracujá, e são capazes de desativar a MAO, fazendo com que o DMT aumente consideravelmente no cérebro. As beta-carbonilas (oriundas do cipó jagube – harmina e hermalina) e o DMT (oriundo da folha da chacrona) são as substâncias ativas de antiqüíssimos chás sacramentais, como a Ayahuasca. E, surpreendentemente, assim como para o DMT, a pineal também possui todas as condições e moléculas necessárias para produzir os agentes anti e pró-DMT – a MAO e as beta-carbonilas.

Strassman foi um ousado cientista em propor e investigar tais hipóteses. E a substancialidade de suas observações e complexas séries de experimentos clínicos documentados o distanciam da imagem do pseudo-pesquisador, pseudo-cientista. As idéias de Strassman, no entanto, causam uma inegável agitação no mundo da ciência.

Seria a glândula pineal uma potencial e complexa máquina endógena, capaz de todo o intrincado mecanismo de sintetização e regulação, de psicodélicos? Seria este pequenino órgão o responsável pelas mediações entre a consciência ordinária rotineira e outras formas de consciência: oníricas, expandidas e entregues a uma percepção oceânica das coisas? Apesar da ainda incerta resposta para estas perguntas, muito até em função da inexistência de pesquisas clínicas de análise de níveis de DMT endógeno no cérebro durante períodos longos, os últimos estudos nos dão indícios substanciais de que esta possibilidade é palpável.

Através da confirmação desta hipótese, talvez os estados alterados de percepção, na maioria esmagadora das vezes condenados pela ciência ao terreno do misticismo e da fantasia primitiva humana, pudessem ser trazidos à luz de uma investigativa e refinada atenção do conhecimento científico interessado na expansão da compreensão sobre o universo e sobre o próprio homem: um universo ainda tão não-desbravado quanto as profundezas inalcançáveis habitadas por miríades e miríades de remotas galáxias.

2 comentários:

  1. Bruno C. W. Evangelista31 de dezembro de 2009 às 10:37

    Fantástico,
    Com muito embasamento, parabéns pelo artigo! Se puder fornecer mais bibliografia a respeito da complicada bioquímica do dmt e das beta-carbolinas, de síntese endógena, ficaria agradecido! bwevangelista@yahoo.com.br

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  2. É FANTÁSTICO C0MO TEM VIADO AQUI!
    O MAIS ENGRAÇADO É DIZER QUE O MIMINHO É CABELINHO GAY E O LEANDRO É VIADO!
    VÃO SE FODER!!
    48 32486641

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