terça-feira, 19 de maio de 2009

Personalidades // Terence McKenna: da emersão da consciência humana através dos psicodélicos ao renascimento da cultura arcaica



"Nossa cultura, auto-intoxicada pelos subprodutos venenosos da tecnologia e pela ideologia egocêntrica, é a infeliz herdeira da atitude dominadora que diz que a alteração da consciência através do uso de plantas ou de substâncias é errada, masturbatória e perversamente anti-social.”

Terence McKenna talvez seja uma das mais complexas e controversas personalidades ligadas aos novos conhecimentos sobre substâncias psicodélicas e suas respectivas utilizações no mundo antigo e moderno. McKenna (1946 – 2000), um etnobotânico e ensaísta filosófico norte-americano, foi muito além das investigações psicofarmacológicas ligadas à história comportamental humana, e talvez por esta mesa razão o seu conhecimento, adquirido e processado ao longo de intensos 30 anos de pesquisa e desenvolvimento, suscite os mais variados tipos de reação nos meios científicos. O cientista foi respeitado por muitos, rechaçado por outros muitos também.

McKenna foi um desbravador de limites, um constante explorador de novos panoramas, realidades e conexões do conhecimento humano – foi a figura do cientista pleno, aquele incapaz de ser vencido pelo medo do novo ou pela força cadaverizada das instituições e cânones pré-estabelecidos. McKenna já foi, por muitos, chamado de louco, místico ou qualquer adjetivo destes que representem primeira idéia de um rechaço por parte dos representantes da ciência e conhecimento fundamentalistas. O etnobotânico lançou uma infinidade de idéias como representações de uma vontade séria e consciente de questionar os paradigmas em voga para sugerir a existência de outros diversos e novos paradigmas dignos de uma atenção refinada. Acreditando-se ou não nas teorias de McKenna, ele, inegavelmente, representou um personagem clássico do mundo do conhecimento.

Suas propostas, seus questionamentos, no entanto, possuem uma natureza tão caleidoscópica, tão hiper-povoada pelos mais distintos tipos de mimese, que podem emergir, em um primeiro momento, como uma mal costurado retalho de ideologias e pensamentos cafonas e pretensiosamente libertários à la New Age. Mas McKenna é muito mais complexo do que um primeiro momento.

A saga psicodélica de McKenna iniciou-se após sua graduação em Ciência da Ecologia, em 69, na Universidade de Berkeley, quando, acompanhado pelo irmão Dennis McKenna, neurobiólogo, e mais três amigos, embarcaram em uma viagem à Amazônia Colombiana em busca do oo-koo-hé, uma bebida sacramental indígena que contém DMT (N,N-dimetiltriptamina), um poderoso agente psicodélico. Na cidade de La Chorrera, submeteu-se a uma experiência transformadora. Segundo o próprio McKenna, ele entrou em contato com o que chamou de Supermente, uma espécie de matriz de todas as formas de consciência e linguagem, que o teria impulsionado a investigar e estudar uma série de valores que culminaram com o que os irmãos batizaram de Teoria da Novidade. Tal teoria, de natureza filosófia, discorria sobre uma possível característica de ressonância temporal e existência de padrões rítmicos de tempo, interpretados a partir de elementos de natureza fractal (Geometria Fractal) e a análise dos trigramas e hexagramas do antiqüíssimo livro oriental conhecido como I Ching – obra que já esteve na pauta de pensadores como Jung.



As tentativas de interpretar as circunstâncias e efeitos bizarros deste primeiro momento, regado a diversas experiências reveladoras com DMT e psilocibina - substância encontrada em cogumelos do gênero Psylocibe, resultaram na publicação do livro The Invisible Landscapes – Mind Hallucinogens and The I Ching (sem tradução para o português, algo como As Paisagens Invisíveis – Mentes Alucinogênicas e o I Ching) em 1975. As idéias do cientista, no entanto, representavam embriões ainda mal-formados e difusos que seriam constantemente investigados e amadurecidos pelo resto de sua vida.

No início dos anos 80, McKenna começou a falar publicamente sobre o tema dos psicodélicos e a desenvolver uma série de workshops – destacando as substâncias naturais, como o DMT e a psilocibina, muito mais do que as sintetizadas ou semi-sintetizadas, como o LSD. Embora muitas vezes associado, por quaisquer motivos, às ideologias New Age (Nova Era), o próprio McKenna sempre assumiu pouca ou quase nenhuma paciência para as sensibilidades e apontamentos destes paradigmas. E embora tenha também embarcado na observação de universos não acadêmicos, como o da gnose, ele jamais considerou-se como um partilhador do movimento.

Tal comparação fez-se muito persistente quando McKenna sugeriu o ano de 2012 como a data-crise de uma possível mudança brusca, que já vinha ocorrendo, de consciência e evolução comportamental e cultural humana através da sua excêntrica Teoria da Novidade. No entanto o cientista nunca se aproximou de profecias apocalípticas, e citava valores culturais já pré-existentes como agentes desta possível mudança: consumo de psicodélicos, movimentos musicais (como a música eletrônica), internet etc.

No início dos anos 90 McKenna lançou duas publicações que vieram a enriquecer e transformar, significativamente, a natureza e o direcionamento de suas propostas desencadeadas pela imersão investigativa no mundo destes compostos químicos. São elas: The Arcaic Revival (O Retorno à Cultura Arcaica) e Food of the Gods (Alimento dos Deuses). A primeira obra, The Arcaic Revival, nos confronta com uma análise profunda das primeiras tradições xamânicas - principalmente as usuárias de substâncias psicodélicas. Em uma posterior análise, igualmente profunda, o autor procura identificar vestígios na cultura moderna que possam demonstrar uma espécie de busca inconsciente pela re-vivência destes valores – hoje condenados pelo homem e pela ciência ao terreno desimportante da fantasia, do mito, do primitivismo imaginativo humano despropositado.

Na obra, McKenna traça um paralelo entre a riqueza, o reconhecimento e o poder de vivências em estados não-comuns de consciência no passado – capazes de redesenhar os limites e valores na realidade prática, e a completa e generalizada indiferença contemporânea a tudo o que possa ultrapassar as noções reducionistas, materialistas e definidoras da mente como subproduto de um amontoado de matéria orgânica friamente entrelaçado.



Em The Arcaic Revival, McKenna aprofundou-se de maneira vertiginosa num exame da cultura ocidental moderna, em temas como a realidade virtual, internet, body art, dança contemporânea, loucura, movimentos da música eletrônica e estética (a estética filosófica). Na obra o cientista nos confronta com a relação entre essas novas tendências e os comportamentos antepassados ligados ao conhecimento transcendental e ao costume, legítimo do homem em variadas épocas e locais, de buscar o contato com realidades não-ordinárias através de estados incomuns de percepção.

Um interessante tema abordado por McKenna nesta obra concerne ao, ainda hoje, controverso tema da análise psicológica e psicoterapêutica de um conhecido personagem deste passado rico em experiências místicas: o xamã. Até os anos 40, e após o consagrado estabelecimento da Psicanálise, havia um consenso acadêmico de que esta figura era nada mais do que o esquizofrênico do passado: um ser humano acometido de psicoses e que, devido a esta natureza patogênica, vivia em um mundo alucinado de fantasias, delírios e histeria. A despeito da inegável importância reconhecida aos xamãs (em sua época e universo) enquanto curandeiros, agentes ativos de suas comunidades e intermediadores entre a realidade comum e a extraordinária, eles foram condenados, na modernidade, à natureza das patologias. Este consenso, no entanto, tornou-se um embate dos mais diversos apontamentos e discordâncias no mundo científico.

McKenna invoca, em The Arcaic Revival, uma ousada teoria: a de que se os xamãs do conhecimento arcaico e os esquizofrênicos da sociedade moderna nadam no mesmo oceano de estados alterados de consciência, é a própria sociedade que tem o poder de torná-lo louco – condenado à solidão devastadora em seu próprio mundo, ou mestre – capaz de interpretar e comunicar controladamente a natureza transformadora do que vivencia. E hoje, se os possíveis esquizofrênicos possuem toda a potencialidade de transformação e compreensão de outras realidades assim como os xamãs de eras passadas, esta potencialidade é trancafiada a sete chaves dentro de manicômicos – as máquinas de loucura, ou é terrivelmente embotada pelas receitas médicas arbitrárias que procuram submergir o “louco” em uma camisa de força farmacológica.

Depois de The Arcaic Revival, McKenna trouxe, em Food of the Gods (Alimento dos Deuses) as teorias da emersão da consciência humana à luz do universo das antiqüíssimas substâncias psicodélicas e sua utilização pelas sociedades no passado. O cientista propôs uma visão radical sobre o misterioso momento em que a consciência ancestral de espécies hominídeas emerge do seu estado sensiente – incompreensivo e animalesco, para o estado de consciência enriquecida e profundamente transformada pela capacidade de linguagem, comunicação, cultura, pensamento crítico e, acima de tudo, autoconsciência. Que fatores teriam causado tal refinamento de percepção? McKenna nos responde polemicamente: os psicodélicos.

Os registros da utilização destes alcalóides pelo homem em tempos remotos, desde o século XVIII a.C., sinalizam que a relação da espécie humana (e seus ancestrais) com tais drogas pode, na verdade, ser indefinível em termos de exatidão, podendo nos remontar a eras pré-históricas. Manifestações pré-colombianas como as identificadas através de remanescentes estátuas e esculturas arqueológicas em forma de cogumelos na Guatemala ou dos afrescos de Teotihuacan na cidade do México (onde há inegáveis representações da ingestão de cogumelos em um universo místico), nos dão indícios de que o homem tem consumido psicodélicos desde tempos imemoráveis.



McKenna nos sugere, assim como o escritor Henry Munn esboçou em The Mushrooms of Language (Os Cogumelos da Linguagem) em 1973, que este contato e consumo tenham sido notavelmente determinantes para a transformação da consciência acrítica na consciência interpretativa lingüística que acompanha os homens até os dias atuais. McKenna traça um estudo etnobotânico em que discorre sobre possíveis alterações nos estímulos ligados à sobrevivência que teriam sido redesenhados pelas alterações genéticas (mutações) em longo prazo provocadas pela ingestão continuada destas substâncias, mais precisamente dos cogumelos – containers naturais de substâncias como a psilocibina.

E além das propostas sobre a evolução da consciência humana através do consumo destas plantas – conhecidas como plantas do poder, McKenna ainda participou de publicações em co-autoria com outros diversos autores responsáveis pela divulgação de novas teorias e proposições, em universos até então considerados tabus, que se tornaram temas vitais para a "fringe science" – a porção da ciência alternativa às visões pré-fundamentadas. Em obras como Trialogues at the Edge of the West (Triálogos), desenvolvida em co-autoria com o biólogo Rupert Sheldrake e o matemático Ralph Abraham, e Twilight of the Clockwork God: Conversations on Science & Spirituality at the End of an Age (O Fim da Divindade Mecânica: Conversas Sobre Ciência e Espiritualidade), onde participou com um artigo sobre plantas psicodélicas, McKenna aborda inúmeros temas de uma espécie de novo conhecimento humano – como a teoria do caos, realidade virtual, campos morfogenéticos e êxtases xamânicos. E esta abordagem vem sempre como a roupagem muito bem fundamentada de um questionamento honesto da frieza materialista e reducionista de uma divindade científica alicerçada na abordagem linear de um universo mecânico newtoniano-cartesiano.

Durante os anos 90 até a sua morte, em 2000, além de ter se tornado um cientista respeitado e significativa referência para importantes pesquisadores de áreas como antropologia, botânica, biologia e psicologia, McKenna ainda tornou-se uma figura venerada pelo então crescente movimento da música eletrônica, chegando até mesmo a fazer pequenas participações em festivais do gênero. McKenna teve suas declarações públicas sampleadas por diversos artistas e produtores da música eletrônica, mais especialmente do gênero conhecido como Goa Trance: The Shamen, Spacetime Continuum, Alien Project, Capsula, Entheogenic, Zuvuya, Shpongle e Shakti Twins.

McKenna morreu em 3 de abril de 2000, vítima de uma forma agressiva de câncer cerebral, aos 53 anos. Para muitos, talvez, Terence McKenna tenha representado apenas a patética figura de um pseudo-cientista incapaz de organizar seus próprios apontamentos, mas para muitos outros, entre eles importantes figuras científicas do novo século, ele representou a semente de um sincero desejo de ruptura com o frio stablishment científico através de uma ávida e pioneira busca por novos panoramas e paradigmas que possam analisar e interpretar a condição humana no universo com muito mais refinamento, visão, honestidade e crítica.

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