terça-feira, 9 de junho de 2009

Produção // UltrAlice: Primeiros Conceitos


O País das Maravilhas – terra de sonhos multicoloridos e delírios sem pé nem cabeça vividos pela pequena Alice – poderia, facilmente, comparar-se a uma frenética odisséia alucinógena. Mas o que existe por trás do consumo de psicodélicos, vulgarmente conhecidos como alucinógenos, além de um jogo recreativo e nonsense de visões escalafobéticas e fuga da realidade? A relação do homem com estas substâncias, ao contrário do que geralmente se supõe, representa um envolvimento intricado e milenar, e esconde, sob o véu contemporâneo de um tabu cristalizado, uma complexidade entrelaçada pelas mais diversas cargas da história humana: da religião aos laboratórios da ciência moderna.

Apesar de tão antiga relação, que nos remonta a eras pré-cristãs e às primeiras formas de xamanismo, a história ocidental dos psicodélicos é extremamente recente, e não menos conturbada. Foi através da descoberta dos efeitos de um misterioso composto, o ácido lisérgico, conhecido como LSD, em 1943, pelo químico suíço Albert Hoffman, que este grupo de alcalóides alcançou, vertiginosamente, status científico. Substâncias como a mescalina, oriunda de algumas espécies de cactos, e a psilocibina, proveniente de alguns tipos de cogumelo, provocaram um fervor nos laboratórios através do qual a ciência lançou uma refinada e curiosa investigação sobre os alucinógenos.

Tais experimentos e linhas de pesquisa descortinaram um novo horizonte à cerca do comportamento e consciência humana. Os psicodélicos continham propriedades até então nunca encontradas em outro grupo de fármacos e desencadeavam um novíssimo olhar sobre a psique e a percepção. Áreas como a Psiquiatria, Psicologia e Neurologia armaram-se com os agitados motores de uma vanguarda científica responsável por uma fatia significativa da pesquisa dos anos 50 e 60.


No final da década de 60, no entanto, estes alcalóides escaparam das mãos da ciência e, infelizmente, disseminaram-se entre grandes populações de jovens e tornaram-se agentes polinizadores da Contracultura. O governo norte-americano, assombrado pelos questionamentos de um movimento que protestava contra a hegemonia capitalista, sumamente representada pelos Estados Unidos, investiu em um violento contra-ataque, de proporções mundiais, conhecido como War on Drugs (Guerra às Drogas). Esta iniciativa, difundida por todo o planeta através de políticas massivas e publicidade extremista, aboliram inclusive, e de forma definitiva, todas as pesquisas e investigações, mergulhando os psicodélicos em um penoso silêncio científico que perdurou aproximadamente por três décadas. A despeito de todas as potencialidades terapêuticas e de uma nova epistemologia capaz de expandir o olhar da ciência sobre a mente humana, os psicodélicos foram, pouco a pouco e arbitrariamente, demonizados pelos programas políticos e, finalmente, reduzidos a um hegemônico tabu, impassível a novos questionamentos.

Estas substâncias, principalmente o LSD, no contra-fluxo das medidas extremas norte-americanas, estabeleceram-se, categoricamente, como drogas recreativas até os dias atuais, principalmente após a recente história da música eletrônica. Elas assumem, hoje, um expressivo papel nos mecanismos do narcotráfico e na problemática da segurança e da saúde públicas, onde figuram como drogas de abuso e uso inconsciente. O despreparo das instituições de ensino para lidar com honestidade e informação sobre o assunto – herança de um tabu silencioso e devastador – apenas contribui para que estes fatores incidam em um submundo que não queremos e não pretendemos enxergar. Os Estados Unidos, ironicamente, possuem a maior população relativa usuária de drogas ilícitas no mundo.

Hoje, felizmente, estes químicos têm voltado aos domínios da ciência, e, mais uma vez, demonstrado o seu imenso potencial enquanto ferramentas de investigação e cura. Uma diversidade de novas frentes atuais tem desenvolvido pesquisas sérias e honestas que evidenciam e assumem um complexo universo escondido por trás de esdrúxulas e perturbadoras moléculas – ainda longe de serem completamente desvendadas. Estas novas pesquisas evidenciam uma importante maturidade científica em relação aos jogos políticos arbitrários iniciados nos anos 60, e parecem equipar-se de um franco interesse em lançar luzes fulgurantes sobre os mistérios da consciência e natureza humanas.


O UltrAlice, muito distante do discurso apológico, apóia-se na idéia da informação sincera como poderosa ferramenta de divulgação de idéias e conhecimentos, além de arma imprescindível contra o uso abusivo e inconsciente destas substâncias. O projeto manifesta sua crítica ao atual panorama sócio-cultural e político sobre os psicodélicos, representado pela força esmagadora de um proibicionismo cego e incapaz de analisar e investigar aquilo que proíbe e por um monolítico tabu cadavericamente fundamentado. As drogas psicodélicas precisam ser discutidas e analisadas, precisam existir nos debates, nas salas de aula e, acima de tudo, tratadas de acordo com a sua real complexidade: política, histórica, sócio-cultural, religiosa, filosófica, estética e científica.

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